WTC/NY
Ronaldo Bressane
I feel my luck could change
Thom Yorke
.
Com ele foi o tempo de um êxtase.
– Beware.
BREAKING NEWS:
A gente se despediu na noite do 10 de setembro, no meu táxi. Meu batom
deixava roxa sua barba. Lembrava dele inteiro: compacto, alto, noturno.
Curioso – só havíamos nos encontrado de noite. Mas agora… minúsculos
fragmentos de estrelas. Seu corpo dissolvido, se reordenando a outros.
Solto de sismo. E não seriam minhas próprias mandíbulas resíduos de
crimes do Velho Testamento?
– Look below that sheet of steel. Beware.
JUST DO BIN
– Beatriz, if I had not a leg, do you still love me?
– Sim.
– And if I had not an arm?
– Te amaria.
– And if had my eyes entirely white?
– Claro que te amaria.
– If I had not my cock?
– Bom, aí mandaria você tomar no cu.
Uma semana antes, tínhamos subido
aquela mais alta torre. Clandestinos. Eu sonhava com Áfricas. Já tinha
ido muito longe como taxigirl em Manhattan, mas, pense, carregando dez
quilos de ouro na cintura, na Etiópia? O mundo é grande e é pequeno. A
gente imagina que é a evolução; mas se esquece que sobreviveu ao que
foi, os projetos, sobras, sombras de babel… Me pendurava na última
janela de ponta-cabeça – as estrelas nos pés distraídos – num tapete pra
voar ao fim do mundo, até o início do rastejar da mente-camaleão, e
pensava no bronco breu e me lembrava que eu, Beatriz, era só uma
brasileira rastejando num carro amarelo nessa merda de labirinto,
labirintite. Mas como esquecer de, quando, com 17, tonta, sacerdotisa da
Ordem Rosacruz, obtive acesso a mistérios ocultos pelos Cavaleiros
Templários na Loja da Vila Mariana, em São Paulo, e passei uma tarde
sentada na escadaria do colégio Objetivo, na Paulista, meditando
convictamente para fazer levitar a sede da Fiesp?
Tudo bem. O passado peca e ele também
tinha uns vícios. “Horse, horses, mares and nightmares.” Coisas que
pegou e não pagou. Problemas com o bookmaker. Preso passando pot. Nenhum
pecado maior que escrever poemas neocaligráficos, criados por um
software que desenvolveu, quando ainda estudava no MIT, juntando escrita
árabe, teoria dos fractais e ASCII art; nenhum pecado maior que se
travestir de Maomé enquanto me fodia quente e lentamente a bunda, a
barba me roçando a nuca, nossos braços sangravam… e os edifícios lá
embaixo, as avenidas, os automóveis, os hidrantes, os rappers, os
mórmons, os yuppies, os paquistaneses, os chicanos, as mammas, os gays e
os judeus nos conformes dos Orixás: não precisávamos de nada, cercados
por nuvens de sabão em pó e pipocas no microondas e a TV falando dum
novo aparelho pra tornar o abdome mais duro, com sete gomos, feito as
barrigas dos capoeiristas, no Brasil… o Brasil que se fodesse.
– Beware of the ruins. It’s dangerous running here. Beware of the ruins.
LOVE IS A VIRUS
A serpente se engolia… e nunca as frutas caem longe da árvore… e o Super-Homem não pode girar o mundo ao contrário…
E as garotas que eu transava não
tinham a pica que ele tinha. Isso parece óbvio – mas pra uma chupadora
de xoxotas como tinha sido durante meus 25 anos, o pau dele emitia raios
gama e açúcar do Peloponeso e tinha sido interpretado diretamente dos
Cânticos dos Cânticos… embora ele me lambesse o cu como se o Apocalipse
batesse à porta.
Nós não sabíamos ainda, mas o Apocalipse já tinha chegado: tomava um chá na ante-sala.
– Beware of the ruins.
AL QAEDA KNOWS THE WAY
Os clientes tão simpáticos quando eu vestia aquela camisa canarinho de
merda – era o jeito de ganhar eles. Logo eu, que sempre detestei o
Ronaldo: nunca vou entender o porquê de os clientes associarem a Seleção
com alguma espécie de hospitalidade. Ser brasileiro no Brasil e
imaginar que ser brasileiro fora é lindo, porque todo mundo gosta de
brasileiro, é uma idiotice. Ser uma filha da puta que rala dez horas por
dia fugindo de todo tipo de tarado por uma cidade de ruas numeradas é
uma merda bem mais angustiante. Mas me divertia – ia aos clubes noturnos
atrás de deep jungle e encontrava umas nucas tatuadas, uns mamilinhos
com piercings…
Ele me contava dos Budas que haviam explodido no Afeganistão. Por aqui, ninguém mora em seu próprio corpo, eu cavilava.
NOTHING IS REAL\NOTHING IS FORBIDDEN
Me chupou os mamilos aí me deu um beijo na boca e eu senti gosto de leite.
– Estou grávida – sorri.
Virou-se, acendeu o narguilé novamente e tragou profundo o haxixe afegão.
– Osama will be the name of the boy.
Insuportável, charmoso, ele só gostava
de histórias e música árabe… Acabei pegando costume de ouvir música
árabe no táxi. Os clientes estranhavam, uns gostavam, uma ou outra
ex-namorada a quem dava carona ria. Sim, seguia sentindo tesão por
menininhas de dezoito – perdidinhas, buscando proteção e uma língua
inteligente. As mais belas fêmeas souberam da minha fértil buceta.
Êxtase de antenas grudadas, horas… Seus pezinhos se enrolando um no
outro enquanto suas mãos e línguas quase me faziam provocar um acidente
na Times Square às quatro da manhã. E os alto-falantes tremiam o alaúde
de Abou-Khalil em conta-gotas às minhas virgens…
Tempo. Tempo. Mandei:
– Como devia ser o céu, antes da queda de Lúcifer?
Seus olhos pretos súbito abertos num relâmpago. Tempo. Olhou a janela e nublou:
–Tomorrow Evil will scream like a pig being rapped.
Levantou, trouxe a seringa, quase cheia.
– A little more tonight ‘cause tomorrow I’ll climb the Great Building –
gemeu, voz de puto marroquino, me mostrando seus lindos poemas.
Ideogramas alienígenas: nós, um para o outro.
A picada dupla tão sexy quanto um avião aterrisar na tua veia.
– I’ll climb the Great Building, Inshallah – dublou-se.
AMERICA UNDER ATTACK
– There’s a corpse below that sheet of steel.
De tanto andar pelos escombros do WTC, acabei entrando como voluntária
para o grupo de resgate. Três meses de busca e reconheci seus poemas –
dilacerada tatuagem – num ombro. Em semanas, tenho seu corpo quase
completo. Juntei pernas, braços, tronco, cabeça. Falta o pau.
Vai ser uma menina, li, os olhos no rio Hudson, as mãos no ventre, a face vermelha como uma estrela morta.
Poemas, crônicas e mais... Sentimentalidades impossíveis de classificar, lamúrias, choros e rezas, músicas e livros, flores e frutas, fatos e fotos e principalmente chás e cafés. Simplesmente escrevo, não sou um talento, muito menos brilhante, não faço nada para agradar, faço para agradar-me, afinal, sou um ser em construção.Tudo aqui é ilusão.Tudo aqui é ficção. “Acho que eu fico mesmo diferente quando falo tudo o que penso realmente”
Pegue uma xícara, sirva-se e fique à vontade.